edição 2015
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com os textos e desenhos dos organizadores e participantes.
Compor e analisar - por Carol Pedalino
O processo de criação do Entre Serras 2015 se deu em três fases. Na primeira delas os participantes foram convidados a criar um solo autobiográfico tendo a história da própria dança como roteiro. Na segunda fase foram criados duos e trios utilizando- se de elementos e cenários da natureza. Por último, realizou-se uma performance coletiva na casa de feitio do Gamarra. As três etapas foram permeadas por análises críticas dos trabalhos e a partilha de processos criativos dos grupos.
No trabalho solo, a dança autobiográfica apresentou histórias da dança e questões fundamentais artísticas de cada participante. Estávamos apenas no segundo dia de residência e cada um pôde conhecer um pouco mais do outro através deste exercício. Cada indivíduo revelou experiências, características do seu movimento e pensamentos sobre a própria prática. Para aquecer o estado criativo, trabalhou-se a partir da memória, estimulando os jogos, os estados da criança, os movimentos espontâneos, a abertura da voz e da fala.
Nos trabalhos solos sinalizamos (de maneira geral) dois tipos distintos de composição, sendo a primeira a que chamamos de dança-narração e, a segunda, a dança-performance.
Na dança-narração experimentamos uma lógica segmentada e o senso cronológico. Com ela, a partir de uma memória corporal, o dançarino recria uma história (dançada ou falada) e acrescenta ao seu discurso um tom próprio. Por exemplo, oferecendo detalhes de como começou a dançar, introduzindo personagens e descrevendo passagens da sua história corporal. Estilos e técnicas vêm a tona e o estado do corpo se conecta à memórias e lugares sob fluxos de movimento e pensamento.
Ana Otero relatou sua história com a dança clássica e atravessou estados do corpo que dialogavam com sua fala de amor e ódio em relação à técnica. Onaldo apontou a questão de gênero como fator fundamental na construção da sua corporeidade e Dasha Lavrennikov “dançou suas nacionalidades” costurando identidades em sua dança/canto.
Através de formas, linhas, textos, gestos, pausas, olhares e respirações, a história de cada dançarino é desenhada sob um fluxo contínuo de memórias. Pensamentos imprimidos no corpo do intérprete são revelados na presença e com a presença do público. Este último entra em uma atmosfera de sensações e emoções ao degustar de tais revelações, oferecendo em contrapartida, o combustível necessário para a cena existir através de seu olhar/escuta. Dançarino e público constroem uma relação de cumplicidade e empatia partilhando imagens, estados e emoções.
Na dança performance a potencialização da presença é o ponto chave. A materialidade do próprio corpo e a temporalidade do gesto revelam dimensões ocultas e subjetividades do performer. Aí não existe narração mas sim intensificação do próprio estado, do próprio ato de presentificação. Por mais que a individualidade e a subjetividade do artista esteja em pauta, as danças performance parecem tocar questões mais universais de construção de gênero, raça e sexo. E como o aqui-e-agora, é condição sine qua non, abordar histórias e passado é um desafio de outra ordem para a performance.
Alguns trabalhos transitaram entre a dança narração e a performance, como foi o caso do solo de Aline Bernardi. Com terra molhada, Aline pintou seu rosto de vermelho, trançou seus cabelos e enfeitou-o com galhos. Ao mesmo tempo foi narrando sua trajetória com corpo e voz bem desenhados. Aos poucos foi desconstruindo a lógica de sua história, trocando de figurino, soltando os cabelos e transitando entre falas e “paragens”.
Na segunda fase da residência formaram-se duos e trios. Nesta etapa, o espaço, os cenários, os recortes de paisagem e a relação com os objetos cênicos foram mais explorados. Uma grande jabuticabeira foi o palco do trio de Izabel Stuart, Claire Camus e Fernanda Ribeiro. A imensidão do vale foi o cenário de Ana Otero, Onaldo Brancante e Milena Paiva, que jogaram com as distâncias e proximidades do público. O ofurô do Espaço Lua Branca, se tornou o “templo” de Rodrigo Maia e Diogo Monteiro e, um campo de terra arado, o palco de Aline Bernardi, Carol Pedalino e Dasha Lavrennikov.
Na terceira e última fase trabalhamos em um espaço determinado: a casa de feitio. Este lugar, também chamado de fornalha, é onde se prepara o Daime, bebida enteógena originalmente indígena, consagrada ritualmente pelos moradores da ecovila Gamarra. O local, instalado no meio da mata, possui uma particularidade cênica e, porque não, energética, que propicia o trabalho de improvisação. Panelas, garrafas, peneiras, folhas secas e outros objetos foram entrando nesta performance coletiva criada a partir de partituras e elementos que experimentamos nas fases anteriores da residência.